“Rural Move”, a associação que está a fazer renascer o interior do país
Maria Luísa Almeida é a primeira mover da pequena vila de Paul, a cerca de 20 km da Covilhã. Natural de Mirandela, mas com vida assente no Porto há quase quatro décadas, foi em fevereiro deste ano que decidiu mudar de rumo e trocar a vista para o rio Douro pela paisagem da Serra da Estrela.
“Sempre fiz voluntariado por várias zonas de Portugal e sempre que saía do Porto sentia-me muito bem. Até que o ano passado comecei a pensar que a vida como estava fazia cada vez menos sentido, fui perdendo amigos e familiares pelo caminho e pensei que era mesmo a hora de ser eu própria uma das movers ”, confessa ao Conta Lá.
Tudo começou com as Rural Experiences, uma “imersão no território” promovida pela Rural Move – a Associação para a Promoção do Investimento nos Territórios de Baixa Densidade.
“Comecei por fazer uns retiros na vila e logo da primeira vez apaixonei-me por isto. Foi uma semana intensa, a conhecer pessoas locais, a participar nas atividades, nas rotinas. Depois voltei mais uma vez, e outra, e sempre que voltava para casa pensava ‘eu despedia-me, vinha viver para aqui e ia ser muito feliz’. E foi o que fiz”, conta Maria Luísa Almeida ao Conta Lá, sem rodeios em dizer que esta foi “a melhor decisão que tomei nada vida”.
Uma mudança feliz e que representa também mais uma conquista para a associação Rural Move, que nasceu de um movimento online criado em 2020, em plena pandemia, numa altura em que o interior do país ganhou destaque pela fuga dos grandes centros urbanos.
“A Rural Move surge de um movimento de pessoas, algumas já em processo de mudança de território, outras ainda com vontade de dinamizar as suas localidades. Juntámo-nos e pensámos como poderíamos ajudar todas essas pessoas que se queriam mudar para o interior, dar-lhes informação. Entretanto, vencemos um concurso de inovação social na Casa do Impacto e nascemos oficialmente em outubro de 2020”, recorda ao Conta Lá João Almeida, um dos rostos fundadores da associação.

Imagem: Academia de Líderes, umas das iniciativas da Rural Move que capacita agentes locais para dinamizar o interior
Com o foco na promoção dos territórios e das suas potencialidades, a Rural Move assume-se como “o ponto de encontro da nova ruralidade”.
“Queremos ser o ponto comum onde quem se quer mudar e quem já lá vive se pode encontrar para discutir projetos e ideias. Queremos virar a página e olhar para o mundo rural de uma forma mais positiva e não só ligada à agricultura e a todos os desafios, mas o mundo rural onde existe cultura, onde existe comunidade, onde existe bem-estar, onde se pode trabalhar para qualquer parte do mundo”.
E foi assim que surgiu a necessidade de encontrar “gestores de comunidade”, parceiros locais e conhecedores dos territórios disponíveis para apoiar potenciais novos habitantes em questões tão diversas como onde arranjar habitação, que atividades culturais existem ou até para se sentirem acolhidos e com o “sentimento de pertença a um lugar”.
“Um gestor de comunidade é alguém que vive num território rural e que quer dinamizá-lo. Nós temos um formulário de interesse disponível no nosso website, a pessoa diz de que localidade é e nós temos uma conversa inicial, percebemos as motivações, a rede de contactos que tem e passa por um processo de on boarding, mas tudo vai depender da vontade que cada interessado tem em dinamizar a sua localidade”, explica ao Conta Lá João Almeida.
Atualmente com 50 gestores de comunidade distribuídos desde Miranda do Douro a Mação, de Chaves a Serpa, o apoio acontece não só antes e durante a mudança como após. “No fundo, é todo o apoio que o município devia dar mas não dá”, aponta o membro da direção da Rural Move.
“Se precisar de saber quem é o eletricista, quem é o canalizador, onde ficam as Finanças, são raros os municípios que têm uma pessoa afeta a este apoio. Dão apoios financeiros para as pessoas virem para os territórios ou criam espaços de trabalho coworking mas depois não pode ser um trabalho de estar num posto de turismo a receber e a dizer ‘está aqui um flyer, vão visitar’”, refere João Almeida.
É esse papel que Maria Luísa Almeida assumiu ao tornar-se também, além de mover, gestora de comunidade.
“O pedir ajuda a uma pessoa e essa pessoa falar logo com não sei quantas pessoas à volta, o chegar a casa e ter uma couve à porta que alguém deixou... estas dinâmicas são fantásticas e é esta gestão de comunidade que, além de trazer pessoas novas, faz da Rural Move diferente, cria o sentimento de pertença. Não é só ajudar a encontrar casa, é mostrar o que estas terras têm de melhor, fazer com que as pessoas se sintam acolhidas”, retrata.
Há pouco mais de 10 meses na nova casa, admite ter sido já contactada por pessoas do Porto e Lisboa “que equacionam mudar-se pela qualidade de vida”.
Com mais de 300 pessoas já apoiadas pela Rural Move, são maioritariamente portugueses e brasileiros “na casa dos 30/40 anos ou em idade pré-reforma que querem mudar de vida” que procuram a ajuda da associação.
“A maioria das pessoas procura-nos mais com uma perspetiva de curiosidade e um bocadinho utópica, com a ideia de ‘um dia de ter uma quinta e viver no campo, com animais’. E nós ajudamos como podemos, mas de facto não temos recursos nem capacidade para fazer um acompanhamento tão grande a esse tipo de pessoas, que são muitas. Aqueles em que nós efetivamente nos focamos mais são pessoas que já estão num processo bastante avançado de mudança, ou seja, já sabem o que querem, trabalham remotamente ou já se despediram e que já sabem muito claramente para que região querem ir”, elucida João Almeida.
Pontualmente “aparece um jovem”, admite o responsável, que acredita que o movimento de interesse pelo interior que ganhou impulso durante a pandemia se esvaneceu com “o regresso das pessoas às empresas fisicamente e com a problemática dos incêndios que traz uma narrativa negativa a estes territórios e desincentiva muita gente a fazer a mudança”, deixando escondido o mundo “de oportunidades e de crescimento do interior”.
E é aqui que se encontra outro dos objetivos da Rural Move: a implementação de projetos próprios de inovação social que dinamizem os territórios. Além das Rural Experiences, um dos projetos bandeira, a associação promoveu também a Academia de Líderes Rurais, na região do Médio Tejo, em que “durante um ano demos capacitação a várias pessoas com ideias de projetos, para implementarem nos territórios”, conforme explica ao Conta Lá Carolina Ramon, gestora de projetos da Rural Move.
“Temos também as Conversas Rurais, um projeto cofinanciado pela União Europeia, um podcast em que vamos a várias localidades de Portugal e convidamos jovens e especialistas para discutir diferentes temas como a juventude, habitação, meio ambiente, saúde mental, empreendedorismo, e a ideia é mesmo levar estas conversas de norte a sul do país, ou seja, de Miranda até Odemira”.
Com workshops, encontros rurais e até speed datings com localidades rurais entre o leque de atividades já promovidas pela associação, o mais recente projeto para dar impulso ao interior é a criação de um centro de impacto rural – o RIHU – que “procurará impulsionar empreendimentos nos territórios, contribuindo para o aumento da resiliência e desenvolvimento sustentável”.

Imagem: RIHU, o centro de impacto rural criado pela Rural Mover, um dos mais recentes projetos da associação
Na gaveta para o próximo ano está já o projeto Integrarte, com o objetivo de “integrar crianças migrantes através da arteterapia, em Seia, envolvendo artistas locais e comunidade”.
Com um futuro que se avizinha risonho, o trabalho da Rural Move foi distinguido recentemente com o prémio da Fundação Manuel António da Mota, destinado a projetos de valorização do interior e coesão territorial, inovação e empreendedorismo social. Uma distinção que, para a associação, representa “um sinal político”.
“Foi a primeira vez que foi dado um prémio a um projeto do nosso tipo e acho que foi um sinal de que este tema tem mesmo de vir para cima da mesa, tem mesmo de ser discutido porque estamos quase num ponto de não retorno e, apesar de ter havido aqui alguns bons resultados, um bocadinho à boleia do turismo e dos migrantes, estes territórios estão a perder população”, alerta João Almeida.

Imagem: A Rural Move recebeu o prémio da Fundação Manuel António da Mota a 23 de novembro de 2025, pela mão do presidente da República
Com um espaço físico em Miranda do Douro e perspetivas de abrir um novo espaço em Mação, no coração do país, para conseguir ter “pontos físicos onde as pessoas nos possam visitar e participar em eventos”, o grande objetivo da Rural Move é o de chegar a todo o território.
“Nós queremos assumir o compromisso de levar a Rural Move a todo o país. Há muitos territórios que ainda têm mais dificuldades, nomeadamente no Alentejo e no Algarve interior, e onde ainda não estamos porque temos alguma dificuldade em chegar lá, em conseguir ter gestores de comunidade, mas queremos levar esta onda positiva de dinâmica, de rede, efetivamente, a todo o país. O nosso objetivo é ter uma mini rural move em cada território”, assume João Almeida.