Doze anos depois: o que (não) mudou desde a última greve geral?
Em 2013, o movimento sindical uniu-se e o país parou. Doze anos depois, um Portugal muito diferente enfrenta desafios semelhantes, que precipitam nova paralisação. Que país éramos em 2013 e que Portugal temos hoje?
Era um país diferente. Quando em junho de 2013 as duas centrais sindicais se juntaram para uma greve geral, o clima de convulsão social era evidente. A última paralisação foi só o culminar de vários outros protestos que marcaram os anos de governação de Passos Coelho, sob a intervenção da troika. Novembro de 2011, março de 2012 e novembro do mesmo ano (já depois da gigante manifestação de setembro) foram os grandes marcos dessa tensão.
“Eram as políticas de austeridade, os cortes de salários, de pensões e de complementos salariais, a retirada de quatro feriados, o desemprego numa elevada taxa”, recorda Carlos Silva, antigo secretário-geral da UGT, que liderava a central sindical em 2013.
No ano anterior, a UGT tinha assinado um acordo de concertação - imposto pela troika como condição para o apoio financeiro - com o Governo. A gota de água, conta Carlos Silva, foi “Pedro Passos Coelho decidir ir além da Troika”. A expressão é conhecida e a história também. Em junho de 2013, a UGT juntou-se à CGTP porque “a greve era inevitável”.
Em doze anos, o que mudou em Portugal e o que é que justifica nova paralisação? Olhemos para o que nos dizem os dados:
É, de longe, o indicador que mais evoluiu desde os anos da crise e da troika. Quando Banco Central Europeu, FMI e Comissão Europeia “aterraram” em Portugal, o país registava níveis históricos de desemprego, “sobretudo o desemprego jovem, que acompanhava quase o da vizinha Espanha, nos 20%”, explica Carlos Silva. À data da greve de 2013, a taxa era de quase 18%. Hoje, são renovados máximos históricos de população empregada, que ultrapassa os 5,3 milhões de pessoas. A falta de mão de obra é agora apontada como o grande problema do tecido produtivo português.
Em 2011, ainda no tempo de José Sócrates, foi fixado o valor do Salário Mínimo Nacional (SMN) em 485 euros. Na opinião de Carlos Silva, foi esta uma das vitórias da paralisação de 2013. No ano seguinte, foi definida a subida do SMN para 505 euros, que produziu efeitos em 2015. Nos últimos 10 anos, o valor foi sempre atualizado, tendo as maiores subidas sido verificadas nos últimos três anos. Para 2026, espera-se nova subida de 50 euros, para os 920 euros.
Segundo dados do Eurostat, citados pelo Jornal de Notícias em 2014, a remuneração média líquida em Portugal foi, em 2013, de 984 euros. O INE fixou o valor no terceiro trimestre desde ano em quase 1.300 euros. A verdade é que a evolução aparente esconde algumas dificuldades. Dados do Inquérito ao Emprego do Instituto Nacional de Estatística indicam que, entre 2011 e 2024, o rendimento médio líquido real (ajustado à inflação) aumentou 13,1%, o que se traduziu numa subida de 132 euros, ou seja, um crescimento médio de apenas 10 euros ao ano. Além disso, no ano passado, metade dos trabalhadores ganhavam menos de 980 euros líquidos por mês.
A crise da habitação é porventura o grande problema social do tempo atual. O índice preço-rendimento, utilizado pela OCDE, mede a acessibilidade económica da habitação e serve-nos como ferramenta para ilustrar a enorme disparidade hoje existente entre a capacidade financeira dos portugueses e o preço das casas. Nesta, a OCDE utiliza o índice de preços de 2015 como a base (o valor 100). Portugal é destacadamente o país em que este parâmetro é o mais gravoso no conjunto dos 38 países membros. A diferença para o segundo lugar da Holanda é, de resto, superior a 10 pontos, a maior de todas as variações entre os países. Em 2013, Portugal estava em 20º lugar, abaixo do índice e da média da OCDE.
Aqui fica evidente que, apesar dos avanços, houve problemas que estes 12 anos não apagaram. Dois anos depois da entrada da troika em Portugal, a taxa de população em situação de pobreza subiu aos 19,5% em 2013. Mas, mesmo depois de ultrapassados os piores tempos da crise, os dados, que foram divulgados este ano mas que se referem a 2024, mostram que o número não só não desceu como subiu. E se é verdade que a taxa é mais elevada na população desempregada, os números entre os trabalhadores também são expressivos:
Foi notícia recente a compilação feita pelo Eurostat e Carlos Silva aponta-o como prova de que nem tudo está diferente de 2013. “Os indicadores às vezes são falaciosos e temos de olhar para todos. Um deles é, por exemplo a taxa de pobreza dos trabalhadores, porque há pessoas que trabalham, recebem o seu salário e são pobres. Chegam a meio do mês e já não têm dinheiro”, aponta o antigo líder da UGT. Ainda há uma quantidade considerável de pessoas para quem trabalhar não garante uma vida acima do limiar de pobreza, por questões sobretudo ligadas aos baixos salários e aos níveis de precariedade.
A precariedade, ainda em 2025
“Aí não se avançou nada”, reflete Carlos Silva. “Continua a existir precariedade laboral. Ou seja, os empregadores portugueses, os chamados patrões, querem continuar a insistir na flexibilidade. Mas que flexibilidade? A flexibilidade para os trabalhadores poderem ser despedidos quando as empresas querem”, denuncia.
Carlos Silva refere-se concretamente da dificuldade de reintegração de trabalhadores despedidos ilicitamente, mas critica outras medidas, como o fim da restrição ao recurso a outsourcing. Para o sindicalista, são medidas “imorais, que não fazem sentido em Portugal”. Ao Conta Lá, o antigo dirigente aponta ainda o dedo à “queda da negociação coletiva” e ao “regresso do banco de horas individual, que seria recuar numa conquista de há seis anos”. “Para além das questões da amamentação”, acrescenta. “O Governo já veio dizer que até pode voltar atrás, mas só o facto de estar a discutir isso mostra que perdeu a sensibilidade social”, aponta.
Por tudo isto, 12 anos depois, a greve volta a ser “inevitável”. “A UGT é uma central de negociação, de compromissos. Nós não somos uma central sindical que vai para a greve por dá cá aquela palha, não se faz isto de ânimo leve. Ao fim de 12 anos é que se avança para outra greve geral. E porquê? Porque as condições neste momento são muito adversas para os trabalhadores. E é daí que, não havendo o ambiente externo de austeridade, o país está numa rota de crescimento muito dentro dos parâmetros definidos pela própria Comissão Europeia, a taxa de desemprego está baixa, os salários têm aumentado, estamos numa convergência com outros países europeus, as exportações têm corrido bem, há investimento estrangeiro em Portugal… a pergunta que tem de ser feita é: de onde é que o governo tirou este coelho da cartola para avançar com uma decisão parecida com os tempos da troika em 2012? Mas porquê mais 100 medidas? O que é que justifica avançar para uma guerra social sem qualquer razão?”, questiona Carlos Silva.