Sines no Centro da Inteligência Artificial: um salto internacional com custos locais

A futura gigafábrica de inteligência artificial, em Sines, promete desenvolvimento económico e empregos qualificados, mas levanta alertas sobre habitação,  energia e impactos ambientais.
 
Rui Mendes Morais
Rui Mendes Morais Jornalista
10 dez. 2025, 06:00

Sines no Centro da Inteligência Artificial
Fotografia: Sines no Centro da Inteligência Artificial

O futuro digital europeu pode estar a nascer em Sines. A decisão da Microsoft de investir mais de 10 mil milhões de dólares (cerca de 8,6 mil milhões de euros) no centro de dados da região, poderá marcar um ponto de viragem, colocando o litoral alentejano no mapa tecnológico com a construção de uma gigafábrica capaz de alimentar as exigências da Inteligência Artificial (IA). Entre expectativas de desenvolvimento económico, preocupações com o impacto energético e a promessa de novos empregos qualificados, Sines prepara-se para viver um momento raro: ser palco de um projeto de ambição internacional. 

Além da Microsoft, o investimento conta com a parceria de grandes empresas da área, como a Nscale, a Nvidia e a Start Campus, que preveem implementar 12.600 processadores de última geração em Sines. Em entrevista ao Jornal de Negócios, o presidente da tecnológica norte-americana, Brad Smith, reforça que “um dos maiores investimentos que a Microsoft está a fazer este ano na Europa é, na verdade, em Portugal”. 

O executivo sublinha que a geografia e as condições atmosféricas do país são os principais motivos que têm atraído as empresas, uma vantagem que facilitará as conexões submarinas, quer pela “América do Norte ficar mais perto da Europa”, quer pelo potencial energético de Portugal, onde a energia “é mais barata e há bom clima”.

O Centro de Dados está na primeira fase de desenvolvimento, tendo já sido construído um edifício que empregou pelo menos 70 trabalhadores. No entanto, o recém autarca de Sines, Álvaro Beijinha, explica ao Conta Lá que o objetivo das empresas é criar “mais seis edifícios”, destacando que o intuito da Star Campus é “avançar brevemente para o segundo”. 

 

É necessário um investimentos público 

“Finalmente estamos a viver a concretização dos grandes investimentos para os quais a zona industrial foi construída”, destaca o autarca, alertando que os investimentos de grande escala exigem uma atenção e um desenvolvimento especial em diversas áreas, incluindo um “investimento público para responder às necessidades da população”.

Com a atração de mais população, a habitação torna-se um dos pontos que precisa de especial atenção. Na região as rendas podem superar os 1500€ por mês num T1, uma realidade “absolutamente inflacionada que as famílias não têm capacidade de suportar”, sublinha o presidente. 

“Eu acho que o Governo tem pecado por não perceber e não antever uma situação que já está em andamento”, adiantando que depois de ter tomado posse, em novembro, convidou o primeiro-ministro Luís Montenegro para visitar Sines de forma a “consciencializá-lo de toda esta problemática”.

Além da habitação, será necessário desenvolver uma resposta adequada ao aumento populacional na saúde e na escola pública, porque “muitas famílias trabalhadoras trarão os seus filhos, que necessitarão de estudar em algum sítio”, além de um reforço “de efetivos da Guarda Nacional Republicana”. 

 

O potencial ao nível do desenvolvimento 

Para especialistas na área da tecnologia, a gigafábrica potenciará a afirmação de Portugal no mapa da Inteligência Artificial, podendo levar a uma maior consciencialização e adoção da utilização desta ferramenta. Márcia Santos, professora universitária no ISCTE Business School, destaca que se não existirem “infraestruturas para processar os dados, não dá para termos uma resposta destas tecnologias”, recordando o momento em que a Open AI, detentora do Chat GPT, teve algumas quebras no fim do mês de novembro. 

Para a professora, o centro de dados “é uma oportunidade para Portugal ficar no centro da infraestrutura que faz funcionar a inteligência artificial”, reforçando que “é uma forma de dizermos que temos o cérebro, neste caso a inteligência humana aliada à tecnologia, com inteligência artificial que é depois exportada para qualquer país, o que faz com que sejamos vistos como inovadores”.

Nuno Ribeiro, Managing Partner da Instinct to Innovate em Portugal, responsável por desenvolver vários projetos de Inteligência Artificial, sublinha a importância de “ser competitivo” nesta área:  “A competitividade entre quem utiliza inteligência artificial, versus quem não utilizar inteligência artificial vai ficar a anos-luz. Portanto, quem não usar vai estar fora de jogo.” 

 

Impactos ambientais
 
Ainda que a aposta tecnológica seja bem vista, há decisões que preocupam as associações ambientalistas que defendem que é preciso estudar as exigências da tecnologia. A Liga para a Proteção da Natureza (LPN), alerta, em entrevista ao Contá La, para os impactos ambientais associados ao futuro centro de dados da Microsoft em Sines, sobretudo ao nível dos recursos hídricos e energéticos. 

A associação reconhece que o uso de água do mar para arrefecimento “reduz consideravelmente os impactos” face a centros de dados que dependem de água potável, mas sublinha que “o impacto não é negligenciável”, sublinhando as possíveis alterações nos ecossistemas costeiros devido ao aumento da temperatura da água rejeitada.

Contudo, a maior preocupação da associação é agora com a energia necessária para suportar a infraestrutura da Microsoft: “A IA requer elevados consumos de energia e a energia tem um custo ambiental muito elevado para o país”, sublinha a LPN, que acusa Portugal de não ter “uma estratégia” para a expansão das renováveis e de estar a permitir a instalação de megacentrais solares e eólicas “em áreas de elevados valores naturais”.

Segundo a organização, o investimento pode resultar “na condenação de milhares de hectares” destinados a novas centrais solares, apenas para garantir o fornecimento de energia ao projeto. A LPN defende que o país deve “ponderar melhor os custos e benefícios para o território” e apela a uma reflexão coletiva sobre os “impactes ambientais pouco visíveis” da IA: “É fácil perceber os efeitos de fechar uma torneira; teremos essa mesma noção com a nossa utilização da IA?”

Apesar da Start Campus ter sido obrigada a implementar um programa de monitorização marinha, a LPN destaca que a construção do centro de dados já “alterou o regime hídrico e destruiu habitats protegidos”, como os Charcos Temporários Mediterrânicos, em 2024, destacando que “já existem regras que terão que ser cumpridas”. 

Por enquanto, os recentes investimentos no centro de dados de Sines, são vistos em três perspectivas, a ambiental, a tecnológica e a falta de investimento para o desenvolvimento da região, que levantam questões em várias áreas.