Uma aterragem inesperada nos Açores transformou-se numa referência de sustentabilidade

Aos 29 anos, Roberto Medeiros é um dos responsáveis pela revolução no uso da energia nos Açores. Determinado a reduzir a pegada ecológica do arquipélago, fundou em 2022 a Atlantic Energy, uma empresa de soluções energéticas que está a transformar o modo como se pensa a agricultura da região.
Ana Rita Cristovão
Ana Rita Cristovão Jornalista
09 dez. 2025, 06:00

Hotel à beira mar, nos Açores, coberto de painéis solares no telhado
Fotografia: Empresa criada por jovem venezuelano está a transformar o uso da energia nos Açores

Corria o ano de 2017 e Roberto Medeiros era um dos rostos da linha da frente do movimento estudantil da Universidade Monte Ávila, em Caracas, contra o governo de Nicolás Maduro. Num país mergulhado numa profunda crise política e económica, o jovem venezuelano dividia os dias entre o curso de direito e a participação em manifestações pacíficas. 

“Desde muito jovem, sempre estive envolvido em protestos estudantis, participei em muitas ações de rua, protestos pacíficos e acabei por ser eleito secretário-geral do movimento estudantil da minha universidade”, explica ao Conta Lá, sublinhando o peso político destes grupos, “a maior força política do país depois da Igreja Católica”.

Por isso mesmo, o risco da posição que ocupava e o agravamento da crise venezuelana levaram-no a ter de tomar uma decisão inesperada e repentina. Aos 21 anos, Roberto Medeiros viu-se obrigado a deixar o país.

“Tive uma situação com a polícia que me obrigou a sair, senti ameaças constantes e como muitos dos meus companheiros estavam a ser presos, tive de sair”, recorda, em entrevista ao Conta Lá.

Com raízes luso-venezuelanas, partiu sozinho rumo aos Açores. Foi na calmaria do Atlântico, na ilha de São Miguel, que encontrou um refúgio para começar do zero, na mesma terra de onde os avós tinham partido na década de 50 para a Venezuela.

“Encontrei nos Açores o meu porto de refúgio porque tinha aqui alguma família, os meus avós são açorianos, e tinha cá ainda a casa dos meus avós, então vim para cá”, recorda.

O primeiro desafio à chegada foi aprender a língua portuguesa. 

“Cheguei cá em março, comecei a aprender português, fiz os exames nacionais de acesso ao ensino superior, e em setembro já estava colocado na universidade, foi tudo muito rápido”, lembra, recordando a entrada no curso de Estudos Euro-Atlânticos da Universidade dos Açores, cujas propinas pagava com o dinheiro que juntava a fazer part-times em rent-a-cars ou a servir à mesa.

O caminho de Roberto Medeiros começava a desenhar-se pela área da diplomacia, pelas “investigações conjuntas com um ex-diplomata que pertencia ao Conselho de Segurança da ONU”, mas a vontade de “criar novas oportunidades” despertou em si o espírito empreendedor e levou-o a arregaçar as mangas e a fundar o seu primeiro negócio: a Atlantic Bikes. 

“Comecei a ver que a mobilidade nos Açores era muito limitada e que as pessoas dependiam 100% das viaturas privadas e quis tentar mudar a maneira como as pessoas iam para o trabalho no dia-a-dia. O meu objetivo sempre foi criar uma cidade mais inteligente, mais verde, pessoas mais saudáveis”, explica Roberto.

O projeto saiu para a rua em fevereiro de 2020, em plena pandemia. Com bicicletas elétricas na rua, uma aplicação móvel pronta e estações de estacionamento ativas, a adesão começou a fazer-se sentir mas o jovem empresário acabou por perceber que o modelo de negócio não funcionava só por si.

“Nós éramos uma empresa de três pessoas onde fazíamos tudo, trabalhávamos de noite para trocar as baterias das bicicletas, organizá-las, ao mesmo tempo que tínhamos de estar atentos às apps, preparar campanhas comerciais… a pandemia também afetou muito e o choque de uma tecnologia tão nova não foi suficiente para poder manter a operação”, diz Roberto, que refere ainda “o vandalismo, outro dos motivos que nos levou a deixar o projeto dois anos depois”.

Mas o espírito empreendedor não esmoreceu com esta batalha perdida e Roberto Medeiros embarcou numa nova missão: transformar a região numa referência de sustentabilidade.

“Em 2022, decidi avançar com a Atlantic Energy. Juntei-me com um sócio-fundador, uma pessoa conhecida na área, e começámos a estudar como podíamos transformar a região num sítio mais sustentável e inteligente”, recorda.

Hoje, a empresa que fundou leva até famílias e empresas soluções de energia renovável através da instalação de painéis solares e baterias, com o objetivo de “alcançar a independência energética e gerar poupanças mensais”, bem como a redução da pegada de carbono. 


A instalação de 148 painéis solares no Hotel Caloura, um dos maiores da ilha de São Miguel, vai permitir uma redução da pegada de CO2 de 911 toneladas durante 25 anos

“Nós quando abrimos a empresa sempre tivemos o foco na parte humana, além da questão do ambiente. Então, comecei a ir junto das pessoas para explicar que ao instalar painéis fotovoltaicos conseguem fazer grandes poupanças em custos de energia, e essas poupanças traduzem-se em investimento ou, por exemplo, na possibilidade de uma família poder pagar as aulas de surf dos seus filhos ou o dentista ou um seguro de saúde”, refere.

Com o número de empresas do setor em crescendo na região, o que possibilitou o aumento do emprego na região, a Atlantic Energy tem atualmente cinco funcionários e tem-se conseguido afirmar no mercado pela diferenciação e acompanhamento de todo o processo.

“Nós fazemos tudo desde o zero ao 100, desde a engenharia, ajudar no acesso a créditos, caso seja preciso, submissão de candidaturas, instalação, legalização, arranque do sistema, e esse acompanhamento dá segurança às pessoas. Por exemplo, vamos ter com uma empresa que faz distribuição de carnes e tem uma cadeia de frio com um custo de eletricidade de 20.000 euros por mês, nós apresentamos uma proposta, explicamos que existe uma oportunidade a fazer uma candidatura a apoios do Plano de Recuperação e Resiliência ou um apoio regional ou nacional, e que vai conseguir instalar um sistema fotovoltaico com uma taxa de apoio de 30%, 50%, 80%, o que for”, explica.

Com uma carteira de clientes variada que vai desde pequenos alojamentos locais à grande hotelaria, da indústria às empresas de congelação de peixe, o principal foco da Atlantic Energy está hoje centrado na agricultura, o coração da economia açoriana.

“A região é vincadamente uma região agrícola, o turismo tem subido imenso, e ainda bem porque nos tem trazido muitos trabalhos, mas a agricultura continua a ser o principal motor económico dos Açores e entrámos no mercado muito virados para este setor, uma grandessíssima parte dos nosso projetos estão na agricultura”, admite Roberto Medeiros.

Também aqui, o acompanhamento é feito durante todo o processo.

“Existem apoios da União Europeia ou regionais para esta atividade agrícola mas muitos dos produtores são pessoas já com alguma idade e que têm alguma dificuldade em fazer esse tipo de candidaturas, que são muito pesadas a nível de documentação, e nós orientamos os nossos clientes em diferentes fases, tendo em conta o que há disponível, como podem investir”, refere.

Com o número de projetos a crescer de dia para dia, o refúgio que Roberto Medeiros escolheu quando deixou a Venezuela tornou-se hoje num projeto de vida que está prestes a expandir-se pelo arquipélago, com obras já programadas para 2026 nas ilhas do Pico e Faial, e uma série de avaliações técnicas já em curso em Portugal continental.

Mas o jovem empresário não quer ficar por aqui e já pensa mesmo em abrir novas linhas de negócio no mercado dos créditos de carbono – uma espécie de moeda com que as empresas que emitem menos CO2 são recompensadas, incentivando a redução das emissões de gases de efeito de estufa.

“Essa é a nossa área de interesse agora, é entrar no mercado dos créditos de carbono, continuar a levar mais além os nossos projetos, fazer com que cada vez mais empresas e famílias acreditem em nós e continuar a desenvolver cada vez mais esta região, tenho um compromisso forte com ela”, admite Roberto, o jovem que transformou a adversidade em oportunidade e que encontrou nos Açores o seu lugar feliz.